Se nos Estados Unidos o atraso do desenvolvimento das lavouras preocupa, no Brasil o que chama a atenção é o atraso dos negócios da nova safra, que se mostram mais lentos do que a média dos últimos anos. Uma combinação de fatores que ainda são muito incertos mantém os sojicultores ausentes do mercado neste momento e aguardando por oportunidades que possam trazer, principalmente, melhor renda.
Nas últimas semanas, a volatilidade na Bolsa de Chicago e mais um recuo expressivo do dólar acabaram por resultar em um novo quadro de pressão sobre o mercado brasileiro, principalmente no preço futuro da soja. Depois de superar os R$ 4,00 há alguns meses, a moeda norte-americana voltou à casa dos R$ 3,70, refletindo a evolução da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.
Ao mesmo tempo, a volatilidade na Bolsa de Chicago também sobre as referências, com o mercado se ajustando, quase que diariamente, a todos os cenários atípicos que este ano vêm sendo observados na safra norte-americana. As condições das lavouras são bastante ruins, o desenvolvimento atrasado pode levá-las a um período onde as condições de clima não são favoráveis às plantas e os mapas climáticos trazer uma novidade a cada atualização.
No Brasil, as mudanças no Plano Safra, a restrição no volume de crédito e um ano que também traz uma série de mudanças no quadro político e econômico contribuem para esse avanço mais contido das vendas antecipadas. Como explicou o diretor do Sindicato Rural de Cascavel/PR, Modesto Félix Daga, não faltou verba para o custeio da safra, mas a aprovação dos recursos se mostrou mais lenta este ano.
Os custos de produção mais altos também são mais um componente deste quadro. Ainda segundo Daga, os fertilizantes estão bem mais caros este ano, principalmente aqueles à base potássio, bem como os fungicidas. O óleo de diesel é mais um ponto de atenção e de encarecimento dos custos da nova temporada.
A logística é mais uma preocupação. Com o tabelamento ainda vigorando, a incerteza do valor dos fretes segue incerto e isso mantém os negócios lentos e pontuais. “Essa tabelamento é o produtor quem vai paga, o valor pode encarecer e é por isso também que o produtor está inseguro em relação ao preço futuro. E isso mantém a fixação da nova safra ainda bem fraca”, diz o diretor do Sindicato Rural.
Para José Eduardo Sismeiro, diretor da Aprosoja Brasil, o cenário para este início de nova safra é “bastante desanimador” neste momento. Segundo ele, os custos maiores agora diante de um dólar mais baixo – que provoca uma baixa nos preços de venda – vai prejudicar muitos produtores.
Assim, Sismeiro alerta para a necessidade que o sojicultor terá de garantir uma boa produtividade este ano para poder compensar seus gastos e investimentos. “Será preciso muita soja para pagar os custos. Para o arrendatário, isso preocupa ainda mais. Sem falarmos de custos totais, serão ao menos 45 sacas por hectare (ao referir-se sobre sua região em Goioerê, no Paraná) somente de custo”, diz.
O diretor da Aprosoja BR não destaca somente a alta dos insumos, mas também a alta carga tributária e o incremento nos custos de maquinários. E afirma, “estão todos com os mesmos problemas, as mesmas preocupações. Antigamente, se colhia menos, mas se vendia melhor. Hoje colhemos mais, mas a dificuldade de se vender bem é maior”.
Complementando, Sismeiro fala ainda que os juros mais altos do Plano Safra são outro ponto de atenção e preocupação, uma vez que essa ‘dificuldade’ acaba por reduzir a competitividade do produtor brasileiro. Concluindo, lembra ainda dos gargalos que o mecanismo nacional de seguro agrícola ainda enfrente, ao mesmo tempo em que produtores americanos recebem subsídios do governo e podem, ao menos, garantir o mínimo de sua renda.
Sobre a demanda, o país permanece como principal fornecedor do maior comprador mundial da oleaginosa e com boas perspectivas na exportação. Apesar disso, o produtor sabe que o conflito comercial entre China e Estados Unidos, que trouxe quase toda a demanda da nação asiática para o Brasil, mantém uma pressão significativa sobre os futuros da soja negociados na Bolsa de Chicago.
Para o diretor do Sindicato Rural de Sorriso/MT, Luimar Gemi, mais uma preocupação: o clima para a próxima safra. “Quando será o início das chuvas? Conseguiremos fazer o plantio dentro da janela ideal. Os produtores se perguntam isso também neste momento”, diz ele. No maior estado produtor de soja do Brasil, ainda segundo Gemi, as preocupações são as mesmas, bem como as dúvidas e incertezas, e “com isso, temos um dos menores volumes de venda futura fixado dos últimos anos”.
“Os níveis estão bem abaixo do que os produtores estão pedindo, os preços ainda não são satisfaórios. E os produtores também estão preocupados com o câmbio e com os prêmios. Precisamos de boa produtividade e, para se ter boa produtividade é preciso investir na lavoura, além do básico. Mas o que se vê este ano é o produtor fazendo o básico, e isso vai trazer uma produtividade limitada”, relata o diretor.
Ao Notícias Agrícolas, quatro analistas de mercado relacionaram todos estes fatores ao ritmo em que as vendas da nova safra avançam e, assim, registram que momento é este para o produtor brasileiro.
Mário Mariano, Novo Rumo Corretora
Para Mário Mariano, analista de mercado da Novo Rumo Corretora, o atraso das vendas nesse momento se dá, principalmente, pela falta de lucratividade do sojicultor no Brasil. “O produtor hoje tem um custo elevado para a nova safra e um retorno absolutamente ridículo. A questão maior que envolve o rendimento de lucro do produtor é o preço que as indústrias e os exportadores recomendam devido, principalmente, ao elevado custo do transporte, que beiram o ridículo as tabelas que o governo criou no ano passado e que manterá pelos próximos dois anos”, diz.
Ademais, no mercado internacional, Mariano destaca os estoques de passagem nos EUA – que já são conhecidos – “o governo americano coloca dinheiro do Tesouro no bolso do produtor para que ele tenha uma renda extra devido ao desfavorecimento comercial em função do conflito com a China”.
Ênio Fernandes, Terra Agronegócios
“Esses movimentos muito intensos (na CBOT) são de insegurança no mercado. Até o dia 12 (quando o USDA traz seus novos dados de área) será essa extrema insegurança, assim, até lá as vendas aqui no Brasil vão ser lentas”, acredita o consultor em agronegócios Ênio Fernandes, da Terra Agronegócios. Depois desse dia, dependendo do que trouxer o relatório, as estratégias serão refeitas e os negócios podem ou não assumir um novo ritmo.
Mais do que as vendas lentas, Fernandes afirma ainda que as compras também estão lentas. “Quem compra também está inseguro sobre o que vai acontecer, o que o USDA vai colocar no relatório. E a China deu uma parada de comprar aqui no Brasil, está comprando apenas pontualmente aqui e nos EUA, estamos com as exportações muito boas de milho. Mas a China não está posicionando até o final do ano, está posicionada só até agosto, então ela vai ter que comprar (às compras) e isso pode fazer o mercado se movimentar. E ela vai segurando porque não sabe o que o USDA vai tarzer”, completa.
Marcos Araújo, Agrinvest Commodities
Em uma conta rápida, o analista de mercado Marcos Araújo mostra que os preços futuros da soja no Brasil perderam cerca de R$ 4,00 por saca nos últimos dias no interior do país. De 31 de maio até agora, foi registrada uma alta de cerca de US$ 0,04 por bushel, porém, a taxa de câmbio futuro perdeu praticamente R$ 0,21.
“É por isso que o produtor está muito ausente da venda futura. Nesse momento, muitos produtores estão concentrados na conclusão da colheita do milho safrinha e, com a taxa de câmbio não ajudando, o mercado e as tradings, em contrapartida, se resguardando, fazendo um desconto do frete logístico para o ano que vem em função da continuidade do tabelamento, resumindo, taxa de câmbio e frete travam a comercialização neste momento”, explica.
Mais do que isso, Araújo traz a demanda e a necessidade dos chineses de se abastecerem de soja como o fiel da balança. “A China precisa comprar 60% da sua demanda para o mês de setembro e, entre o período de outubro a janeiro, está comprada apenas 10% de sua demanda. Em algum momento, ela terá que voltar para comprar isso”, diz.
Assim, sua recomendação para o produtor brasileiro é “de que ele venda Chicago e deixe em aberto prêmio e o dólar futuro”, conclui.
Vlamir Brandalizze, Brandalizze Consulting
Para Vlamir Brandalizze, consultor da Brandalizze Consulting, o atraso do desenvolvimentoo da safra dos Estados Unidos é mais um fator de atraso nas vendas da nova safra do Brasil. “O produtor está na expectativa de ver o desenrolar da safra, em todas as regiões (do Brasil) é quase unânime a opinião dos produtores de que parte das lavouras (nos EUA) que vai sofrer com o inverno”, diz,
Além disso, Brandalizze afirma ainda que, estando mais capitalizados, os produtores brasileiros não se preocupa em vender neste momento. E vendo essa calmaria no dólar, pode comprar parte de seus insumos ainda mais barato. “É por isso que o ritmo dos negócios é lento e vai continuar lento até que haja uma evolução de preços, porque já venderam no porto a R$ 85,00/R$ 86,00 e entre R$ 79,00 e R$ 80,00 não há quem queira vender. As opções de venda de que se comenta é de R$ 85,00 em diante”, completa o consultor.